– Oi.
– Hmm.. ahnn… que horas são?
– Não tenho bem certeza. Umas três talvez.
– Tá tudo bem?
– Nada mal.
– Tu tá em casa?
– Sim. Cheguei há pouco.
– Onde estava?
– Por aí.
– Bebeu muito?
– Nada demais.
– Muito.
– Tudo bem aí?
– Me ligou a essa hora pra saber isso?
– Sim. Não. Bem…
– O que houve?
– Nada. Eu só precisava… só queria…
– Aconteceu alguma coisa? Quer que eu vá até aí?
– Não. Está tarde. Eu só queria dizer… boa noite.
– Me ligou pra dar boa noite?
– Sim.
– Tu é louco. Nunca vai deixar de ser.
– Vou sim.
– Sei.
– Boa noite. Dorme bem.
– Obrigada. Tu também. Vê se descansa.
– Descanso sim. Não te preocupa.
– Tá bom então. Beijo.
– Beijos. Tchau.
– Tchau.
Tag: suicídio
Dive (segue a reedição da matança)
Costumava sentar-se no parapeito da janela e ficar olhando o sol se pôr. Gostava da temperatura daquela hora. O vento era frio, enquanto os vetigios de calor no granito do parapeito da janela conseguiam manter seus pés de unhas pintadas de preto ainda quentes. Gostava daquele vento. Gostava do jeito que balançava seus cabelos, sua roupa. Tinha sempre a impressão de que logo os créditos começariam a subir por aquele ceu multicolorido e tudo estaria acabado. Seria invadida de uma paz imensa e absoluta, e nada seria capaz de abalá-la. Nem fome, nem sono, nem tristeza, nem decepção.
Os creditos nunca subiam. Por mais que ela esperasse. Costumava, depois daquilo, descer da janela, ir até a geladeira de porta vermelha, abri-la, pegar um vinho tinto seco e bebê-lo no gargalo, deixando uma ou duas gotas escorrerem por seu pescoço branco de veias azuis, até sua camiseta branca velha e grande demais. Sempre a mesma camiseta. Cheia de manchas de vinho.
Seu cabelo, depois do vento, costumava ficar desgrenhado. Era castanho claro, liso, e não muito longo. Era liso por causa da chapinha, e por isso o vento o deixava desgrenhado. Então ela caminhava com o vinho na mão até a sala. Ligava o som no maximo e parava na frente do enorme espelho que sua enorme preguiça preferia manter encostado na parede a pendurá-lo como deveria ser feito. Era sempre o mesmo CD. Ela sabia as músicas todas de cor. A seleção que ele havia feito antes de ir. Antes de dizer que não conseguia aguentar aquilo da mesma maneira que ela. Antes de partir fazendo-a, na epoca, não entender que ele estava fugindo dela e não da vida que o assustava. Agora ela sabia, mas ouvir as músicas a ajudava a ignorar isso. O vinho também tinha seu papel nesse processo.
Ligava o som e deixava a introdução calma balançar seu corpo leve e ritmadamente. Subitamente as guitarras a faziam expodir em pulos e espasmos, jogando vinho para todos os lados, nas paredes tão manchadas quanto a camiseta. Sempre a mesma música. Sempre a mesma camiseta. Sempre as mesmas paredes.
Naquele final de dia o pôr-do-sol estava diferente. Ao contrario dos outros dias, ela vestia uma camiseta da mesma cor do vinho. Estava disposta a tentar disfarçar as manchas. Ao contrario dos outros dias, a garrafa já estava pela metade quando subiu no parapeito. Jamais o sol brilhara daquela cor. Jamais o vento soprara tantas promessas em seu rosto. Jamais a certeza de que o céu seria logo tomado pelas velozes letras dos créditos esteve tão presente em seu peito. Jamais seu coração bateu naquela velocidade. Jamais viram ela se erguer e ficar de pé no parapeito. Jamais souberam como era relaxante, para ela, a sensação do granito sob a palma de seus pés, que ao contrario das outras vezes, naquele dia estava frio. Jamais viram o sorriso em seu rosto quando, ao mesmo tempo em que o sol finalmente mergulhava no horizonte, ao mesmo tempo que o último compasso da última música do cd começava a tocar, ao mesmo tempo que a última gota de vinho molhou seus labios, o espelho encostado na parede refletiu seu mergulho.
Fade Out (mais uma reedição de velharia)
Tossiu algumas vezes, sentindo os olhos encherem-se d’água, tamanha a dor que sentia na traquéia. Estava com as mãos apoiadas na borda da pia. Tudo em sua vida sempre fora invariavelmente vermelho. As roupas, os dias, as paredes, os beijos. Os pensamentos. Naquele momento, tudo era branco. Paredes, toalhas, tapetes, louças, banheira. Sua pele também era mais branca do que jamais fora. Apenas sua boca era roxa.
Tinha medo de respirar fundo e provocar outro ataque de tosse. Sentia as mãos muito secas. A boca parecia estar repleta de alguma substância viscosa que mal permitia que seus lábios se abrissem. Sorriu olhando-se no espelho. Nem precisava fingir não saber o que procurava. Via nos traços duros, na pele grudada no osso, na olheiras profundas e na pele surrada, o atentado que fizera contra sua própria beleza. Os lábios quebrados pensaram em abrir-se e dizer a ela mesma que jamais a reconheceriam se resolvesse voltar para onde tudo começara.
Num momento como aqueles, deveria haver música. Uma música calma e sem ninguém cantando. Uma música lenta, como seus movimentos, como sua respiração controlada. Mas não havia música. Mal havia luz ali. E sem dúvida nenhuma, não havia testemunha.
Caminhou até a banheira de louça. Alguns remendos de cimento branco aqui e ali não eram capazes de estragar a beleza da peça. Abriu as duas torneiras, tendo a impressão que a textura de suas mãos era mais áspera que a do ferro. Suas unhas estavam amareladas. Ninguém mais queria fotografá-las. Levou a mão esquerda até os cabelos loiros, secos e desgrenhados, e puxou-os sem muita força, apenas para se lembrar que ainda os tinha. Observou a água encher a banheira sem fazer nenhum movimento sequer. Apenas seu peito se movia. Fechou as torneiras.
Voltou à frente da pia e parou sobre o tapete branco, de tecido semelhante a uma toalha. Era bom senti-lo sob as palmas dos pés nus. Olhou seus olhos novamente no espelho. Finalmente começavam a ganhar alguma cor. As palpebras inferiores ficaram vermelhas com as lágrimas que começaram a correr em algum momento enquanto a banheira enchia. Mas ja estava acostumada a não sentir certas reações de seu organismo. Gostava do vermelho das suas pálpebras. Lembravam todo o vermelho de quando sua vida era empolgante.
Abriu a o armário ao lado do espelho. Na prateleira mais abaixo, junto com alguns tubos vazios de cosméticos que nem eram fabricados mais, estava aquilo que ela procurava. Pegou o copo com a seringa e colocou-o sobre a pia. O plastico leitoso semi-transparente do copo era uma das poucas coisas não frias naquele banheiro. Abriu o pacote com a agulha descartável e segurou-a com o polegar e o indicador da mão esquerda. Com a outra mão, pegou a seringa. Olhou-se mais uma vez no espelho, dessa vez sentindo seus lábios contorcendo-se de tanta força que fazia para segurar o pranto. Sentiu o choro explodir sonoramente pelo banheiro em um eco desesperado, seguido de um ataque de tosse doloroso demais para ser suportado de pé. Deixou-se escorregar até o chão apoiada na pia, ouvindo a seringa e a agulha fazerem um barulho suave ao cairem para perto do ralo.
Tossiu por um tempo incontável, sentindo a cada convulsão, a substância espessa dentro de sua traqueia arranhar suas paredes. O muco que chegava ate sua garganta era quente e grosso, e a impediria de falar, se tentasse, de tanto que aderira às suas cordas vocais. Cansada, com as lágrimas escorrendo ainda mais quentes, apoiou-se na pia e levantou-se novamente.
Pegou novamente a seringa do fundo da pia. A agulha certamente havia entrado pelo cano. Abriu um novo pacote e segurou a nova agulha com os mesmos dedos. Girava-a para lá e para cá, como se por alguns segundos houvesse uma pausa em seus pensamentos. Começou a caminhar em direção à banheira sem notar que seus lábios roxos estavam umedecidos de vermelho.
Entrou na banheira com dificuldade, sentindo-se tão ágil quanto uma velha caquética. Em outros tempos aquela seringa seria o instrumento que lhe traria o prazer absoluto. Em outros tempos lhe traria, mesmo antes de penetrar sua pele, uma sensaçao de leveza, de calma. Agora o que quer que fosse apenas lhe deixava cansada. Tudo a deixava cansada. Estava exausta. Demais.
Mergulhou o corpo devagar na água. Estava tão fria quanto o resto do banheiro. Pensou no futuro azulado de sua pele. Quase sorriu. Deixou-se sentir o frio da agua por algum tempo, de olhos fechados, com as mãos mergulhadas na água, segurando a seringa e a agulha. Cansada. Muito cansada.
Respirou fundo e reuniu todas as suas forças. Seus movimentos, repentinamente, readquiriram a leveza e a graça do passado, embora nenhum esforço fosse capaz de limpar a decadência estampada em seu rosto. Ajoelhou-se dentro da banheira, abriu a mão e deixou a seringa cair na água e afundar. Com um sorriso diferente daquele desmaiado que havia em seu rosto minutos atrás. Era hora de começar aquilo para o que se preparava há algumas horas.
Estendeu o braço esquerdo para frente com a palma da mão fechada virada para cima. Segurando a agulha com força com a mão direita, encostou a ponta na altura do seu pulso e pressionou ate uma gota de sangue começar a surgir do buraco imperceptivel. Então começou a puxar a agulha em direção ao corpo, riscando a pele durante todo o caminho. Uma vez perto do ombro, levou novamente a agulha ao pulso e repetiu o movimento mais quatro vezes. Trocou a agulha de mão e repetiu o processo no outro braço.
Fosse um filme e não sua vida, com certeza aquelas gotas teriam caído na água em câmera lenta. O som provavelmente também não seria ouvido. Em seu lugar, uma trilha sonora triste, vagaroza e pesada. Mas ali não haviam ângulos inusitados ou inovações tecnológicas. Apenas o sangue escorrendo de seus braços brancos e mergulhando na água, para se dissolver rapidamente.
A dor ainda era quase imperceptível. Ela precisava de mais. Bem mais. Precisava sentir e usaria aquela agulha para isso. Mas não da maneira como usava sempre. Aquela seria a estréia desse novo método. Abriu bem a mão e olhou para as costas dela. Virou e observou a palma. Virou-a novamente de costas, sorriu, e com um movimento rápido cravou agulha até que a parte de plástico que servia para encaixar na seringa encostasse sua pele. Sim! Agora sentia.
Uma alegria há muito esquecida invadiu seu peito. Uma alegria de uma sinceridade incomparável. E foi essa alegria que encheu seus olhos de lágrimas quentes que lhe enchiam de prazer enquanto escorriam pelo seu rosto e pescoço gelados. Ria alto agora. Abriu a boca e esticou a língua bem para fora. Mais uma vez, em um só movimento, removeu a agulha das costas da mão esquerda e atravessou a língua com ela. Dessa vez não a manteve cravada. Retirou rápido, deixando sua língua voltar à boca, e inundar sua garganta de sangue quente e azedo.
Seu pranto agora a enchia de calma. Depois de tanto, tanto tempo, estava em paz. Sua única certeza é que essa paz só poderia durar pra sempre de um jeito. Era uma certeza simples, que não a amedrontava de maneira nenhuma, e que no final das contas, parecia muito menos dramática do que se manter daquele jeito deplorável.
Deixou o corpo escorregar para dentro da banheira. Com a mão esquerda dormente de dor, segurou a seringa. Rapidamente atarrachou a agulha nela. Respirou fundo ainda sorrindo. Ainda com a respiração leve que apenas aquelas pessoas que vivenciam os raros momentos em que tudo que devia e poderia já foi feito, e que nada mais está por vir sabem como é. Encostou a cabeça na borda da banheira, fechou os olhos. Deveria fazer tudo em um golpe só.
O ar que a seringa injetou na artéria de seu pescoço chegou rapidamente ao cérebro, acabando de uma vez por todas com uma agonia que ela nem entendia, nem sabia quando começou. As fotos de seu corpo imerso na banheira lavada de sangue ainda serviram para encher alguns bolsos de dinheiro. Seu funeral foi acompanhado apenas pelos pais e uns poucos amigos. As cinzas estão divididas em um grande número de pequenos frascos, que podem ser adquiridos por um preço nem tão absurdo pela internet.
Suicídios – Diálogo Introdutório (velharia reeditada)
O texto abaixo foi escrito há um tempão e tava lá mofando no esquecido Multiply. Resolvi buscar alguns textos por lá e largar por aqui, principalmente porque ando com muito pouco tempo e uma certa preguiça pra escrever. É o primeiro de vários textos que escrevi sobre suicídio na época.
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Suicídios – Diálogo Introdutório
– Descobri uma razão pra o suicídio. Na verdade, descobri uma boa azão. Provavelmente a melhor.
– Claro que descobriu.
– Não! É sério! Descobri mesmo!
– Tá, fala. Sei que não vai me poupar de ouvir mesmo.
– Quer mais cerveja?
– Quero.
– Bem, a teoria é simples. É bem óbvia.
– Tenho certeza que é. Inclusive tenho certeza que todo mundo sairá se matando depois de ouvi-la.
– Se as pessoas quiserem realmente ser felizes, certamente o farão!
– Ah! Agora sim tu te puxou!
– Tá! Escuta.
– Estou escutando há horas, mas tu não para de enrolar. Abre logo a cerveja!
– Bem… vamos começar de uma coisa banal: tu já deve ter sentido, mais de uma vez na vida, vontade de mandar tudo a merda e de sair fazendo outra coisa completamente diferente, alguma coisa que realmente te faça sentir o coração acelerado. Que faça a vida ficar com uma película um pouco menos chinelona do que a que se tem sempre. Não?
– Ah, sei lá!
– Sei lá? As vezes tu me decepciona.
– Tá bom! Claro que já pensei nisso. Todo mundo pensa!
– Exatamente! Todo mundo pensa! Todo mundo! Sem excessão!
– Sim, e daí?
– Daí que, se todo mundo pensa nisso, sem excessão, por que ninguém nunca faz?
– Ah! Não é bem assim! Volta e meia tem um que larga o emprego, procura uma ocupação completamente diferente…
– Simplesmente pra se arrepender depois, ou voltar para o que fazia antes, com o rabo entre as pernas!
– É. Acontece bastante.
– Sim, acontece. Mas por que ninguém larga tudo e resolve apostar o máximo que der em alguns poucos dias inesquecíveis? Mesmo quando tem certeza que fizesse, esses dias seriam realmente inesquecíveis?
– Ah, mas não se tem como ter certeza disso.
– Claro que não. Mas ter quase certeza já seria o suficiente, dependendo daquilo que fosse se viver, não acha?
– Com mais uma cerveja eu certamente concordarei.
– Já pego.
– Quando tu pensou isso tudo? Que tu tava fazendo?
– Não importa! Seguindo: milhares de pessoas no mundo passam todos os seus dias em uma rotina totalmente entediante, em vidas que não são metade ou absolutamente nada daquilo que elas queriam que fosse, loucas para criar coragem e mandar tudo pra puta que pariu e viver de uma maneira realmente intensa. Mas por alguma razão elas não mandam. Nunca mandam de verdade. Sabe qual a razão?
– Não. Qual é?
– Vamos chegar nela! Pra isso vamos analisar uma outra característica interessante das pessoas de hoje em dia.
– Tá bom, tá bom. Não tenho porra nenhuma melhor pra fazer mesmo.
– Para quieta!
– Tu devia ter estudado filosofia, isso sim.
– Tinha hippies demais no curso.
– Ainda tem.
– Tá! Não me faz perder o fio da meada.
– Que expressãozinha mais caquética!
– Não apurrinha.
– Outra.
– Ok. Assim… a sociedade de hoje não nos provém com muita emoção real em nossas vidas. Existe muito pouco risco, e muito medo de se arriscar. A coisa mais arriscada que se faz é andar sozinho de noite, e é porque podemos ser assaltados, e isso não chega a ser exatamente emocionante.
– As vezes pode ser.
– Tá, tu e tuas doenças.
– Mas pode.
– Fica quieta!
– Ok.
– As pessoas buscam meios como esportes radicais ou pequenas infrações para que consigam obter alguma adrenalina no sangue. Isso é uma das causas do crescimento veloz do número de hackers no mundo.
– Nunca tinha pensado nisso…
– Bem. O que acontece é que um meio bastante simples de encontrar essas emoções e essa adrenalina é o cinema. Existem pesquisas que dizem que o cérebro não compreende – no caso de algums filmes e mais ainda no caso de jogos de videogame e computador – que a pessoa não está vivenciado aquilo de verdade. Desse modo, as reações metabólicas que o corpo tem são praticamente as mesmas que teria se estivesse realmente vivendo aquilo.
– Interessante! Mas o que isso tem a ver com a tua teoria do suicídio feliz?
– Tu é a mulher mais impaciente que eu conheço!
– Anda logo.
– Tá bom. As pessoas assistem a centenas, milhares de filmes no cinema. Se identificam, muitas vezes sem nenhuma razão, com vários personagens. Heróis, heroínas, soldados, enfermeiras, estelionatários, serial killers. Os mais variados tipos de gente. As pessoas se colocam naquelas histórias e se deixam levar por elas, se emocionando com aquilo que elas nem mesmo vivem.
– E daí?
– Elas só conseguem se emocionar tanto com tudo que assistem porque as histórias têm um fim.
– Como assim?
– Elas acabam. Se eles fossem pensar em como a vida dos personagens seguiria depois que sobem os créditos, a emoção não seria a mesma.
– Toma.
– Bem gelada! Ótimo. Continuando. As pessoas acham a vida dos personagens melhores do que a deles porque ela acaba quando sobem os créditos.
– Tu é louco e bêbado, isso sim.
– Eu tenho razão! E aí está a ligação com o que eu tinha falado antes!
– Onde?
– A resposta do porquê das pessoas não jogarem tudo pra cima por um dia, uma semana, um mês de emoção absoluta.
– E qual é a resposta?
– Será possível que tu não nota?
– Estou com preguiça de pensar. Tu que inventou de me usar de vítima pra tuas teorias.
– Bêbada. A resposta é que as pessoas não jogam tudo pro espaço porque não sobem os créditos no final do dia! Depois delas viverem aquelas emoções que a fizeram largar tudo, ela sabe que a vida vai ter que retomar seu rumo normal. A velha, ou uma nova, rotina. As preocupações de sempre.
– Que horror! Faz sentido!
– Sim! Claro que faz! E é aí que eu descobri uma razão para o suicídio. Mais do que isso: a única e melhor razão para o suicídio. A única com uma jusificativa irrefutável.
– Irrefutável nessa tua mente doentia.
– Se tu parar pra pensar vai ver que tenho razão.
– Surpreendente! Logo tu que sempre disse que uma pessoa tem que ser um completo idiota pra resolver se matar.
– Eu estava errado.
– Outro milagre. Se bem que nem tanto. Admitir que tu mesmo está errado porque está certo em outra coisa não conta exatamente como admitir que estava errado.
– Que? Não entendi nada.
– Esquece.
– O fato é que se um dia tu acorda e vê que tem a chance de largar tudo, conseguir viver, sem quase nenhuma chance de não acontecer, o melhor dia de toda a tua vida. Um dia que te mantenha o coração acelerado o tempo todo. Com as melhores emoções, o melhor vento no rosto, o melhor beijo do mundo, o melhor orgasmo, uma fuga cheia de adrenalina. Tudo que tu sonhou pra tua vida se ela fosse um filme, entende? Então tu vai saber que chegou o momento. Larga tudo, vive tudo e no final do dia, te mata. Mas tem que se matar de maneira memoravel também.
– O que iria resultar em mais algum tempo de planejamento, né?
– Tem razão.
– Vou pegar um papel.
– O que? Pretende mesmo se matar?
– Não.
– Não acredita na própria teoria?
– Claro que acredito.
– Então pra que o papel? Vai planejar o jeito que vai morrer, não é?
– Vou.
– Mas não pretende se matar.
– Agora não.
– Claro.
– Ainda não chegou o dia.
– Mas?
– Mas vai chegar. E então é bom eu já ter uma morte memorável preparada pra não correr o risco de perder o momento.
– Claro. Perder o momento.
– Sim. Não deve haver nada mais deprimente do que perder o momento certo de se matar.
– Ah! Cala a boca!