– Tu não conseguiria viver com trilha sonora.
– Por que isso agora?
– Porque não conseguiria.
– Não foi isso que perguntei.
– Não conseguiria igual.
– Tu consegue ser simplesmente inaguentável.
– O que não muda o fato de tu não ser capaz de viver com uma trilha sonora.
– Cala a boca!
– Viu! Exatamente por isso!
– Isso o quê?
– Isso! Isso que tu fez agora!
– Te xingar porque tu merece?
– Não! Porque tu te irrita fácil.
– E o que isso tem a ver?
– Tudo.
– Belíssima resposta.
– Segue provando que estou certo.
– Pega outra ceva, inútil.
– Tá. Mas isso não te torna…
– Pega e cala a boca!
– Tu iria ter um ataque!
– Quê?
– Por mais que a entidade superior que escolhesse as músicas se puxasse tu ainda assim iria ficar puta.
– Tu não vai parar mesmo, né?
– Iria dar pulos na tua de tão furiosa. Jamais iria concordar com a escolha.
– Não é tampa rosca, idiota, Vai cortar os dedos assim.
– Não entendo porque insiste em beber essa bosta.
– Porque é bom.
– Se fosse bom eu gostava.
– Não vou nem me dar o trabalho de discutir esse conceito.
– A impaciência é…
– … minha marca registrada. Sim, sim. Sempre! E a repetitividade é a tua.
– Tu seria capaz de criticar até beatles. Mesmo que houvessem expectadores chorando!
– Expectadores?
– Sim! Assistindo tua vida.
– Ah! Vai a merda!
– Ainda bem que tu gosta de mim.
– Tu as vezes serve pra alguma coisa.
– Às vezes?
– Eu não moro aqui, esqueceu? O que provavelmente é o que te torna algo que eu possa digerir.
– Não foge do assunto!
– Que assunto?
– Da tua trilha sonora!
– Tu nunca foi capaz de gravar um CD que eu gostasse. Cala a boca e sirva pra alguma coisa!
– Se tu não fosse tudo isso!
– Tu te sabota sempre! Até pra me criticar.
– Quem mandou…
–… nascer gostosa. Guri mais repetitivo.
– Mas…
– Nem continua! Fica quieto antes que eu te troque pela TV nova do bispo.
– Ok.
– Assim que eu gosto!
– Pelo menos de alguma coisa tu gosta.
– Deus do céu! Te veste e rua!
– Mas…
– Roupa e rua!
– Mas…
– Rua!
Tag: diálogo
Mais um suicídio re-editado
– Oi.
– Hmm.. ahnn… que horas são?
– Não tenho bem certeza. Umas três talvez.
– Tá tudo bem?
– Nada mal.
– Tu tá em casa?
– Sim. Cheguei há pouco.
– Onde estava?
– Por aí.
– Bebeu muito?
– Nada demais.
– Muito.
– Tudo bem aí?
– Me ligou a essa hora pra saber isso?
– Sim. Não. Bem…
– O que houve?
– Nada. Eu só precisava… só queria…
– Aconteceu alguma coisa? Quer que eu vá até aí?
– Não. Está tarde. Eu só queria dizer… boa noite.
– Me ligou pra dar boa noite?
– Sim.
– Tu é louco. Nunca vai deixar de ser.
– Vou sim.
– Sei.
– Boa noite. Dorme bem.
– Obrigada. Tu também. Vê se descansa.
– Descanso sim. Não te preocupa.
– Tá bom então. Beijo.
– Beijos. Tchau.
– Tchau.
Suicídios – Diálogo Introdutório (velharia reeditada)
O texto abaixo foi escrito há um tempão e tava lá mofando no esquecido Multiply. Resolvi buscar alguns textos por lá e largar por aqui, principalmente porque ando com muito pouco tempo e uma certa preguiça pra escrever. É o primeiro de vários textos que escrevi sobre suicídio na época.
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Suicídios – Diálogo Introdutório
– Descobri uma razão pra o suicídio. Na verdade, descobri uma boa azão. Provavelmente a melhor.
– Claro que descobriu.
– Não! É sério! Descobri mesmo!
– Tá, fala. Sei que não vai me poupar de ouvir mesmo.
– Quer mais cerveja?
– Quero.
– Bem, a teoria é simples. É bem óbvia.
– Tenho certeza que é. Inclusive tenho certeza que todo mundo sairá se matando depois de ouvi-la.
– Se as pessoas quiserem realmente ser felizes, certamente o farão!
– Ah! Agora sim tu te puxou!
– Tá! Escuta.
– Estou escutando há horas, mas tu não para de enrolar. Abre logo a cerveja!
– Bem… vamos começar de uma coisa banal: tu já deve ter sentido, mais de uma vez na vida, vontade de mandar tudo a merda e de sair fazendo outra coisa completamente diferente, alguma coisa que realmente te faça sentir o coração acelerado. Que faça a vida ficar com uma película um pouco menos chinelona do que a que se tem sempre. Não?
– Ah, sei lá!
– Sei lá? As vezes tu me decepciona.
– Tá bom! Claro que já pensei nisso. Todo mundo pensa!
– Exatamente! Todo mundo pensa! Todo mundo! Sem excessão!
– Sim, e daí?
– Daí que, se todo mundo pensa nisso, sem excessão, por que ninguém nunca faz?
– Ah! Não é bem assim! Volta e meia tem um que larga o emprego, procura uma ocupação completamente diferente…
– Simplesmente pra se arrepender depois, ou voltar para o que fazia antes, com o rabo entre as pernas!
– É. Acontece bastante.
– Sim, acontece. Mas por que ninguém larga tudo e resolve apostar o máximo que der em alguns poucos dias inesquecíveis? Mesmo quando tem certeza que fizesse, esses dias seriam realmente inesquecíveis?
– Ah, mas não se tem como ter certeza disso.
– Claro que não. Mas ter quase certeza já seria o suficiente, dependendo daquilo que fosse se viver, não acha?
– Com mais uma cerveja eu certamente concordarei.
– Já pego.
– Quando tu pensou isso tudo? Que tu tava fazendo?
– Não importa! Seguindo: milhares de pessoas no mundo passam todos os seus dias em uma rotina totalmente entediante, em vidas que não são metade ou absolutamente nada daquilo que elas queriam que fosse, loucas para criar coragem e mandar tudo pra puta que pariu e viver de uma maneira realmente intensa. Mas por alguma razão elas não mandam. Nunca mandam de verdade. Sabe qual a razão?
– Não. Qual é?
– Vamos chegar nela! Pra isso vamos analisar uma outra característica interessante das pessoas de hoje em dia.
– Tá bom, tá bom. Não tenho porra nenhuma melhor pra fazer mesmo.
– Para quieta!
– Tu devia ter estudado filosofia, isso sim.
– Tinha hippies demais no curso.
– Ainda tem.
– Tá! Não me faz perder o fio da meada.
– Que expressãozinha mais caquética!
– Não apurrinha.
– Outra.
– Ok. Assim… a sociedade de hoje não nos provém com muita emoção real em nossas vidas. Existe muito pouco risco, e muito medo de se arriscar. A coisa mais arriscada que se faz é andar sozinho de noite, e é porque podemos ser assaltados, e isso não chega a ser exatamente emocionante.
– As vezes pode ser.
– Tá, tu e tuas doenças.
– Mas pode.
– Fica quieta!
– Ok.
– As pessoas buscam meios como esportes radicais ou pequenas infrações para que consigam obter alguma adrenalina no sangue. Isso é uma das causas do crescimento veloz do número de hackers no mundo.
– Nunca tinha pensado nisso…
– Bem. O que acontece é que um meio bastante simples de encontrar essas emoções e essa adrenalina é o cinema. Existem pesquisas que dizem que o cérebro não compreende – no caso de algums filmes e mais ainda no caso de jogos de videogame e computador – que a pessoa não está vivenciado aquilo de verdade. Desse modo, as reações metabólicas que o corpo tem são praticamente as mesmas que teria se estivesse realmente vivendo aquilo.
– Interessante! Mas o que isso tem a ver com a tua teoria do suicídio feliz?
– Tu é a mulher mais impaciente que eu conheço!
– Anda logo.
– Tá bom. As pessoas assistem a centenas, milhares de filmes no cinema. Se identificam, muitas vezes sem nenhuma razão, com vários personagens. Heróis, heroínas, soldados, enfermeiras, estelionatários, serial killers. Os mais variados tipos de gente. As pessoas se colocam naquelas histórias e se deixam levar por elas, se emocionando com aquilo que elas nem mesmo vivem.
– E daí?
– Elas só conseguem se emocionar tanto com tudo que assistem porque as histórias têm um fim.
– Como assim?
– Elas acabam. Se eles fossem pensar em como a vida dos personagens seguiria depois que sobem os créditos, a emoção não seria a mesma.
– Toma.
– Bem gelada! Ótimo. Continuando. As pessoas acham a vida dos personagens melhores do que a deles porque ela acaba quando sobem os créditos.
– Tu é louco e bêbado, isso sim.
– Eu tenho razão! E aí está a ligação com o que eu tinha falado antes!
– Onde?
– A resposta do porquê das pessoas não jogarem tudo pra cima por um dia, uma semana, um mês de emoção absoluta.
– E qual é a resposta?
– Será possível que tu não nota?
– Estou com preguiça de pensar. Tu que inventou de me usar de vítima pra tuas teorias.
– Bêbada. A resposta é que as pessoas não jogam tudo pro espaço porque não sobem os créditos no final do dia! Depois delas viverem aquelas emoções que a fizeram largar tudo, ela sabe que a vida vai ter que retomar seu rumo normal. A velha, ou uma nova, rotina. As preocupações de sempre.
– Que horror! Faz sentido!
– Sim! Claro que faz! E é aí que eu descobri uma razão para o suicídio. Mais do que isso: a única e melhor razão para o suicídio. A única com uma jusificativa irrefutável.
– Irrefutável nessa tua mente doentia.
– Se tu parar pra pensar vai ver que tenho razão.
– Surpreendente! Logo tu que sempre disse que uma pessoa tem que ser um completo idiota pra resolver se matar.
– Eu estava errado.
– Outro milagre. Se bem que nem tanto. Admitir que tu mesmo está errado porque está certo em outra coisa não conta exatamente como admitir que estava errado.
– Que? Não entendi nada.
– Esquece.
– O fato é que se um dia tu acorda e vê que tem a chance de largar tudo, conseguir viver, sem quase nenhuma chance de não acontecer, o melhor dia de toda a tua vida. Um dia que te mantenha o coração acelerado o tempo todo. Com as melhores emoções, o melhor vento no rosto, o melhor beijo do mundo, o melhor orgasmo, uma fuga cheia de adrenalina. Tudo que tu sonhou pra tua vida se ela fosse um filme, entende? Então tu vai saber que chegou o momento. Larga tudo, vive tudo e no final do dia, te mata. Mas tem que se matar de maneira memoravel também.
– O que iria resultar em mais algum tempo de planejamento, né?
– Tem razão.
– Vou pegar um papel.
– O que? Pretende mesmo se matar?
– Não.
– Não acredita na própria teoria?
– Claro que acredito.
– Então pra que o papel? Vai planejar o jeito que vai morrer, não é?
– Vou.
– Mas não pretende se matar.
– Agora não.
– Claro.
– Ainda não chegou o dia.
– Mas?
– Mas vai chegar. E então é bom eu já ter uma morte memorável preparada pra não correr o risco de perder o momento.
– Claro. Perder o momento.
– Sim. Não deve haver nada mais deprimente do que perder o momento certo de se matar.
– Ah! Cala a boca!